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Publicações - Quatro Rodas nº 309 de abril de 1986 Gurgel apresenta sua nova loucuraSem segredos, apresentamos o CENA, o novo projeto da Gurgel. Uma loucura? Veja o que fez e o que faz a maior montadora nacional e julgue você mesmo.REPORTAGEM DE LUIZ HENRIQUE FRUET - FOTOS DE PEDRO MARTINELLI É uma sala arejada, com janelas amplas e portas sem trancas. Não há guardas por perto, nenhum esquema que impeça a entrada de eventuais espiões, como costuma ocorrer nos departamentos de estilo das grandes fábricas de automóveis. Dependurados nas paredes ou sobre as pranchetas dos desenhistas, ensaios coloridos de dianteiras, laterais, traseiras, circundam um painel branco com um desenho de um pequeno carro. Em que pesem as dimensões reduzidas - 2,90 m de comprimento por 1,50 m de altura -, trata-se de uma reprodução em tamanho natural. Não é nenhum segredo. Lá está o perfil do que promete ser o primeiro carro inteiramente brasileiro, o CENA. A sigla encerra o que seu criador, o engenheiro João Augusto Conrado do Amaral Gurgel, espera de seu futuro produto: Carro Econômico Nacional. Aos mais céticos, até mesmo para os realistas, é difícil imaginar que a empreitada possa dar certo. Se fosse homem de desanimar, entretanto, Gurgel não estaria comandando uma empresa que, arrancando praticamente do zero, em menos de duas décadas transformou-se num respeitável fabricante de jipes, utilitários e até carros elétricos - os pioneiros na América Latina. Obstáculos não faltaram nessa caminhada, a começar pelo professor da Escola Politécnica da Universidade de São Paulo que ditou ao então quintanista de engenharia mecânica e elétrica uma frase que ele jamais esqueceria. "Carro não se fabrica, se compra", ouviu Gurgel, ao apresentar, como trabalho de fim de curso, o projeto de um carro de dois cilindros, no lugar do guindaste que o professor havia pedido. "Por que você não projetou uma coisa útil?", indagou o mestre. O argumento era coerente com a época. Corria o ano de 1949, e o Brasil nadava em dólares, amealhados durante a Segunda Guerra Mundial. Aliados como os Estados Unidos, a Inglaterra ou a França já produziam carros. Por que então não importá-los e concentrar esforços em outros setores? A arenga do velho mestre, porém, não encontrou campo fértil para vicejar. Gurgel nunca foi pessoa de desistir facilmente de seus planos. Guindastes, embora importantes para o nascente parque industrial do país, não eram coisas que motivassem aquele espírito irrequieto, que desde cedo elegera os automóveis como objeto de sua paixão. Assim, durou pouco no primeiro emprego, como engenheiro-chefe de reparação de locomotivas da Cobrasma, em São Paulo.
Diploma debaixo do braço, tocou-se para os Estados Unidos, para estudar no General Motors Institute - a escola de formação de quadros da maior indústria automobilística do mundo. Em 1953, formado em engenharia automobilística, com especialização no processo de plástico reforçado - material então revolucionário -, Gurgel passou para a Buick, uma das divisões da GM norteamericana. Não demorou e estava de volta ao Brasil, trabalhando no planejamento da fábrica da General Motors em São José dos Campos. Depois passou pela Ford do Brasil, como assistente de diretoria, até achar que estava na hora de retomar o antigo projeto de construir seu próprio carro. Começou modestamente, em 1958, literalmente pequeno, fabricando karts e minicarros para crianças - réplica dos Karmann-Ghia e das Corvette. Em 1966, conseguiu convencer a Volkswagen a, pela primeira vez em sua história, vender chassis para outra empresa. Com os chassis, começou a montar o Ipanema - uma simpática mistura de jipe e bug que, em 1969, já estava sendo produzido à razão de quatro unidades mensais. Nascia a Gurgel S.A. Indústria e Comércio de Veículos, que concentrou seus esforços iniciais nos utilitários, transformando-se, em menos de duas décadas, no único fabricante nacional de porte da indústria automobilística. Uma família com três modelos: minicarro, jipinho e minifurgão. É com essa credencial que Gurgel arranca para o projeto CENA, uma família que abrange, além do minicarro, para 4 passageiros, um jipinho - provisoriamente batizado de Bastião - e um minifurgão. A escolha pelos carros pequenos é realista. Gurgel reconhece as dificuldades que teria em tentar dividir o mercado dominado pelas gigantes da indústria automobilística. "Preferimos ficar num nicho próprio", diz ele, que via apenas duas brechas no mercado. "A primeira seria partir para um carro esporte, que deveria ser sofisticado e, conseqüentemente, caro. A outra seria um carro barato, um intermediário entre a moto e o menor carro normal."
Motor de dois cilindros, refrigeração mista: ar e água. A escolha recaiu sobre a segunda opção. "Os carros pequenos têm, hoje, motor de 1.300 cilindradas, quatro cilindros e pesam pelo menos 900 quilos", compara Gurgel. "Pois resolvemos cortar tudo isso pela metade: nossos carros terão motor de 2 cilindros, com 650 cilindradas e pesarão só 450 quilos." Só o preço é que não poderá ser dividido por dois. Assim mesmo, a previsão é que um CENA custaria hoje ao redor de 30 mil cruzados - contra 42 mil cruzados de um Volkswagen 1.300, o mais barato do mercado. Com a experiência acumulada desde 1972 na fabricação de chassis de aço tubular e carrocerias de fibra plástica - uma tecnologia assimilada por Gurgel em sua passagem pela General Motors norte-americana, há três décadas, e constantemente aperfeiçoada na produção atual de cinco modelos, em mais de uma dezena de versões (veja o quadro branco, ao final desse texto) -, Gurgel não vê maiores problemas quanto ao chassis e à carroceria. O mais trabalhoso é o motor. Sua primeira idéia foi uma associação com a Citröen, francesa, para a produção no Brasil do legendário motor do 2 CV. E um motor de dois cilindros, refrigerado a ar, que faz até 25 km por litro. No caso do CENA, o rendimento poderia ser ainda maior, pois seu peso será menor que os 580 quilos do Citröen 2 CV. Contaria ainda a favor do motor francês o fato de já ter sido exaustivamente testado: existem mais de 10 milhões de unidades funcionando pelo mundo. Sua fabricação no Brasil, entretanto, acarretaria alguns problemas - o maior deles o fato de não haver no mercado nacional de autopeças sequer um parafuso compatível: todos os componentes teriam que ser produzidos especialmente, o que exigiria altíssimos investimentos.
Essa situação estimulou a Gurgel a partir para a fabricação de um motor inteiramente nacional, aproveitando o máximo possível de componentes já existentes no mercado. Este motor já está dimensionado, e pronto para entrar em testes. Será, como o 2 CV, um motor de dois cilindros contrapostos, com 650 cilindradas, usando um processo de refrigeração mista. Em baixa rotação, o arrefecimento é pela água, que circulará pelos cilindros no interior de camisas de borracha - uma inovação em termos mundiais, já que os invólucros dos cilindros costumam ser de ferro fundido. A vantagem da borracha, no caso, é uma redução de custo e, ao mesmo tempo, de peso. Com o carro andando em altas velocidades, entra em ação um sistema auxiliar de arrefecimento a ar, para ajudar a arrefecer os cabeçotes. Gurgel calcula que seu motor usará 80% de peças que já existem no mercado. Os restantes 20% constituem-se do bloco, virabrequins, cilindros e cabeçotes. Paralelamente ao motor, que já está quase pronto para entrar em testes, a Gurgel vai definindo outros elementos do projeto. No departamento de estilo, quatro projetistas, chefiados pelo ex-publicitário José Roberto Theobaldo, 40 anos, que já trabalhou na Ford e na própria Gurgel, ajudando no projeto do jipe Carajás, desenham as carrocerias dos três modelos da família CENA.
Todos esses modelos seguem o conceito dos space-cars (carro-espaço), que, em outras palavras, define um carro de um volume (para entender melhor: o Fiat Uno, por exemplo, é um dois-volumes, com o motor num compartimento e os passageiros em outro, e o Fiat Prêmio é um três-volumes, com três compartimentos distintos: motor, passageiros e porta-malas). No caso do CENA, a parte de cima e a de baixo do chassi formam um só conjunto, uma espécie de gaiola que, vista de lado, lembra a forma de um hexágono. A carroceria, de início em fibra de vidro, para o futuro poderá ser moldada em plástico injetado, numa só peça, em cores diversas, o que eliminaria a necessidade de pintura. Nas oficinas, sob o comando do engenheiro Ciro Krugner, 30 anos, mais uma dezena de técnicos trata de definir outros contornos do projeto. A suspensão, por exemplo, já está pronta. "É simples, leve e eficiente", comenta Krugner. "Devido ao pequeno peso do carro, podemos usar um sistema de amortecedores progressivo, por fricção, como o dos antigos Fordinhos. Funciona perfeitamente." As dimensões das carrocerias ainda estão em estudos. Para o minicarro, porém, os testes, feitos no interior de uma estrutura de arame, já definiram uma altura de 1,50m, e uma distância entre eixos de 1,85m - o suficiente para acomodar quatro passageiros, dois à frente e dois atrás. A tração igualmente já não apresenta dúvidas: será traseira, com o motor à frente.
"Apesar da tendência atual pela tração dianteira", argumenta Gurgel, "a tração traseira simplifica e barateia o carro, pois se evita o uso de pneus radiais e juntas homocinéticas, que são componentes muito caros." Uma fabrica para os componentes e outras dez para a montagem.
Se tudo correr de acordo com os planos de Gurgel, ainda no primeiro semestre poderá começar a rodar o primeiro protótipo do CENA. O início da produção efetiva, porém, depende da montagem de uma fábrica-piloto que não custará menos que 70 milhões de cruzados. Até a deflagração da reforma econômica, Gurgel estava negociando um empréstimo com a Finep - Financiadora de Estudos e Projetos, da Secretaria do Planejamento -, que seria amortizado através do pagamento de royalties sobre cada carro produzido. Os restantes 800 milhões de cruzados necessários para a instalação de todo o empreendimento, que no quinto ano poderá estar produzindo 5 mil carros por mês, ainda são objeto de estudos. Uma das opções de Gurgel é localizar a fábrica principal no Nordeste e conseguir financiamentos do Fundo de Investimentos do Nordeste (Finor). Essa unidade produziria todos os componentes, e a montagem final dos carros seria feita em outras dez fábricas instaladas em diversas regiões do país. Pode parecer tudo apenas o sonho de um visionário. Afinal, outros já tentaram a fabricação de um carro brasileiro, simples, racional, barato - e ninguém até agora conseguiu levar adiante um projeto. Mas quem acreditava quando aquele engenheiro que montava jipinhos falava em criar um carro elétrico brasileiro, ou em montar uma indústria que, só no ano passado, despejou 1400 utilitários no mercado, parte dos quais exportados para 40 países? Gurgel já conseguiu mostrar que carro não só se compra, mas também se fabrica.
Reportagem enviada por Maximiliam Luppe |